Quando eu gravei essa música, já tinha sobrevivido às técnicas mais perversas de manipulação psicológica numa longa relação heteronormativa. Também já tinha dado vários “Adeus” simbólicos. Um deles foi a da falsa ideia de que eu seria hétero. Nunca fui, a real é essa. Foi a conclusão que eu cheguei rapidamente, quando passei a compreender o mundo por meio das trocas de energias, em 2019. Ainda hoje tem pessoas que riem de mim, quando falo do meu histórico e contexto bissexual. Da mesma forma que também acho cômico ver mulheres com comportamentos heteronormativos, de machos, mesmo, porém, com histórico de vínculos homoafetivos.
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Quando eu gravei essa música, já tinha feito inúmeras tentativas de sair do ciclo de violência, desde o princípio. Tentativas e fracassos que se intensificavam a cada ano que passava. Não conseguia compreender: por quê? Onde estou errando? Era o que me questionava, buscando uma saída, ser uma pessoa melhor. Até perceber que comunicar os meus sentimentos com honestidade não era um erro, e, sim, que o erro está nas pessoas desonestas, mascaradas, que riem da minha sinceridade. Mas um dia as máscaras caem. E as que ainda estão intactas, me encarregarei de tirá-las.
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Quando eu gravei essa música, dois meses depois, resolvi usar o pouco dinheiro que eu tinha, diante de anos de violência patrimonial e material, para pagar uma psicóloga que conheci por acaso, numa manifestação política sobre a Universidade. Ainda tenho fotos do cartaz que usei na manifestação, pretendo compartilhá-las. Estou na interseção de um antigo ciclo com um novo, por isso tenho publicado fotos e conteúdos antigos: estou fazendo uma limpeza na minha memória, ao passo que tento reconstruir uma Fernanda feliz com fragmentos de imagens e momentos só meus que estou deixando no computador e na minha nova percepção psicológica e sensível sobre mim. É um processo curativo de autorrecohecimento.
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Quando gravei essa música, meses depois, em dezembro de 2020, enquanto lavava os pratos na casa dos meus pais, finalmente sorri. Era um sorriso de alívio. Um sorriso espontâneo que parecia impossível dois meses atrás. O sorriso era a consequência de um sentimento: o de, finalmente, sentir-se livre. Foram mais de 12 anos num cativeiro psicológico. Na verdade, são 32, somando-se o da convivência com meus pais.
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Quando eu gravei essa música, não imaginava que, mesmo muito tímida e insegura no canto, eu a ouviriam novamente, agora, redescobrindo-me. Encantada comigo mesma.
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Quando eu gravei essa música, era uma terça-feira, no dia 9 de junho de 2020. Nesse período, aproximadamente um ano depois da intensificação da perversidade, por descuido do abus4dor, ele deixou a máscara cair: “você gostou de uma mulher”. Finalmente ele tinha deixado escapar na forma de palavras, durante uma corriqueira conversa torturante. Escancarei o descuido das palavras dele, que o traiu. Imediatamente, como de costume, ele tentou aplicar o recorrente golpe de gaslighting contra mim. Mas a essa altura, por mais que ele dissesse que não havia dito a frase mágica, as palavras eram só uma confirmação de uma violência que eu senti ser expressada de todas outras formas mais sutis, desde a primeira vez em que honestamente chamei para um conversa e disse: vim conversar sobre a separação definitivamente, me interessei por uma mulher. O que me fez cair numa Odisseia de manipulação discursiva e psicológica, a ponto de eu ter sido obrigada a falar o nome de quem eu teria me interessado, mesmo insistindo que não queria, não iria dizer. Ter cedido após horas de manipulação não cessou a tortura.
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Sim, gosto de mulheres. Ao contrário de você.