Desde pequena, expresso o apego aos objetos por meio do cuidado. Quando alguns desses objetos eram danificados, vinha um aperto no peito: “Falhei. Por que o deixei exposto?”. Mas ao perceber o desequilíbrio emocional que esse apego possessivo e controlador gerava em mim, via a autocobrança excessiva, fui para o extremo oposto: abandonava. E quando a perda era demais pra mim: protegia, escondia. Até que fui conquistando confiança sobre meus desejos, forma de me expressar e autoafirmação. Hoje, o meu apego é bem menos ansioso, muito menos evitativo. Quando notei que perdi uma das platinelas do pandeiro, veio uma dorzinha rápida no peito sem grandes proporções, seguido do: “Ah! Acontece!”. Há muito tempo que consigo inibir os condicionamentos de ansiedade e de autocobrança do pensamento colonial introjetados no meu corpo. Lembrei de Chico Nunes me dizendo que entrasse em contato sobre qualquer mudança ou manutenção. Decidi que ligaria pra ele, sobre a reposição, quando tivesse dinheiro. É planejando e definindo objetivos que consigo me conectar com o presente, diminuindo a exigência do “se” sobre a minha vida. O “quando” ainda não é a forma que considero mais saudável. Contudo, há questões muito mais sociais do que individuais quando o assunto é escassez. Pois a individualidade é um recurso de abandono próprio do colonialismo, do patriarcado, do racismo e do capitalismo para não se responsabilizar pelo fato que enquanto uns têm muito, outros lutam diariamente para sobreviver. Criando a falsa ideia, incutindo a autocobrança e exigência em seus objetificadas.es.os*, de que não merecem algo porque “não foram capazes”.
*Objetificada.e.o é uma pessoa ou coletivo projetados como objeto pelo pensamento colonial, patriarcal, racista e capitalista. Conceito desenvolvido para a obra teórica “Antídoto I”, em processo de escrita.