Desde pequena vivendo na periferia, na malandragem, na ruína, próximo de um rio, no meio dos machos, da rivalidade feminina, da LGBTQIAPN+fobia, tendo de mostrar que eu podia jogar futebol, sim. Lutar judô, sim. Fazer capoeira, sim. Fazer basquete, sim. Brincar de carrinho, videogame e com super-heróis, sim. Consertar coisas, sim. Podia falar, sim. Que meu espaço deveria/deve ser respeitado, sim.
Crescendo no caos, me entendendo em meio aos conflitos para garantir minha existência e me posicionando contra as perversidades e abusos de adultos contra as crianças, de homens contra as mulheres; de mulheres “brancas” contra mulheres “pretas”; do racismo estrutural em mim e contra mim; do racismo estrutural nos outros e contra os outros; da LGBTQIAPN+fobia estrutural em mim e contra mim; da LGBTQIAPN+fobia estrutural nos outros e contra os outros. Da misoginia e do machismo. Da v1olência das palavras disfarçada de brincadeiras de menino, de moleque, de homem, de pai, de primo, de tio. De que eu deveria aceitar e calar. Mas “nunca fui fácil”: sempre “difícil”, sempre “complicada”, sempre “chata”; sempre “doida”, sempre “incompreensível”, “aconvencional”.
Ser interracial; a “paraíba masculina, sim, senhor”; a “mulher-macho”; a hétero que não parece hétero; a bi que parece sapa; cabelo de fogo; dentuça; a “matuta” na cidade; a que não sabia falar; a que “odeia homem”; a periférica/pobre que “não parece ser”; a que “parece do sul”; a que “parece de fora”; a “branca” filha de “negra” e pai biológico com família racista; a que é barrada na porta giratória do banco por ir com o cabelo solto; a que já se colocou em muitas categorias raciais ao longo da vida (branca, parda, branca, não branca, sarará, parda): é viver no entre; é buscar os significados e pertencimentos do verbo ser e estar; é muitas vezes aceitar e conviver com o contraditório; aprender as faces boas e ruins do eu, e do outro. É não ter medo de falar, de se posicionar, de se expressar. É deixar o outro falar, se posicionar, se expressar.
É viver o presente sabendo que amar é entender o que se é, está sendo ou se pretende ser.
Escrito em 07 de março de 2023.
Linha do Tiro, Recife, Pernambuco, Brasil.